quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Opiniões

"Não vi a Hungria nem o Real Madrid dos anos 50, o Brasil de 70 ou o Ajax de Cruijff. Pelo contrário já me deliciei como último festim da supremacia da técnica que foi o Brasil de 82 e o triunfo definitivo da tática com o Milan dos finais de 80. E já algumas vezes acompanhei discussões sobre o que nasce primeiro no bom futebol, se a técnica ou a tática. Não há conclusões definitivas mas resta-me uma certeza: quando a boa ideia tática é servida pela excelência técnica, estamos perante o melhor que se pode ver num relvado. Por isso, o Barcelona de Guardiola já é a melhor equipa que vi em toda a minha vida.
Claro que vi o Barça ser eliminado, ainda há menos de duas semanas, em Sevilha - foi a primeira eliminação em ano e meio mas não deixa de ser uma derrota. Acontece que até na derrota foi muito melhor que o rival. Passados alguns dias, surgiu de novo o Sevilha, com o seu plantel de luxo absoluto (reparem em Perotti, miúdo argentino, que vi ir para cima de Daniel Alves como poucos seriam capazes). A superioridade catalã revelou-se plenamente: domínio tático absoluto, superioridade nos duelos, capacidade de provocar desequilíbrios sucessivos, dessa vez com uma finalização ao nível dos dias normais. Quatro a zero no fim, e cinco pontos de avanço sobre o Real dos milhões.
Mais que qualquer outra questão lateral, o que me encanta naquela equipa é que assume o prazer supremo que há no futebol, que é o de ter a bola. E depois o resistir a mudar de estilo (de alterar os seus princípios de jogo) só porque está a perder ou o golo tarda. Pelo contrário, perante a adversidade, e até aos últimos minutos de qualquer jogo indefinido, o Barcelona de Guardiola insiste em ser ainda mais igual a si próprio. É na identidade que se refugia sempre e a partir dela que ganha. Chamam-lhe, em Espanha, tiki-taka, numa onomatopeia ilustrativa do toque e retoque na bola, nunca tão bem tratada como nos pés pequenos de Xavi, Iniesta ou Messi.
Encontra todos os que pensam que o que decide um jogo são os centímetros ou os confrontos físicos, o Barça trata bem o elemento decisivo do jogo - a bola - no seu habitat natural, já que é no relvado que ela passa mais tempo. Com a bola no chão, os jogadores são todos do mesmo tamanho. E aí os melhores são os que têm melhor técnica. E o melhor treinador é o que melhor percebe que a sua ideia tática tem de contar com aquela técnica. Por isso este Barcelona é a ideia mais suprema de aproveitamento coletivo de todos os talentos individuais ao dispor. Um dia, já em final de carreira, Zico marcou um esplendoroso golo no Japão e os cegos pediram - disse-nos Eduardo Galeano - "contem-me esse golo"! No caso deste Barça para a eternidade, tiki-taka ajudaria a contar. O som do passe, que é a base do jogo. Com o melhor passe, o melhor jogo. Tiki-taka, sempre e outra vez."
Carlos Daniel, 22-01-2010

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